Foto: Andrea Piacquadio

A problemática da atualização monetária dos benefícios concedidos

Os benefícios percebidos pelos participantes de plano de benefícios de previdência privada devem considerar índices de correção monetária que reflitam a real inflação ocorrida no período, ainda que o estatuto da entidade estabeleça critério de reajuste diverso?

A inclusão dos expurgos inflacionários, com o afastamento do índice de correção monetária estabelecido no Estatuto, poderia representar uma descapitalização da entidade e o desequilíbrio no cálculo atuarial?

A correção monetária não foi instituída, ao menos inicialmente, de forma genérica. A lei 4.357/64[4] determinou a correção monetária do ativo imobilizado, das depreciações e do capital de giro, do lucro imobiliário, dos títulos da dívida pública e dos débitos fiscais. Mas a grande inovação da citada lei foi a criação da ORTN (obrigação do Tesouro Nacional), observando-se que “o valor nominal das Obrigações será atualizado periodicamente em função das variações do poder aquisitivo da moeda nacional” (§ 1º do art. 1º da Lei).

A ORTN tinha poder liberatório para pagamento de qualquer tributo federal (§4º do art. 1º). Determinava o art. 2º da Lei que os recursos do Fundo de Indenizações Trabalhistas (o predecessor do FGTS) seriam necessariamente direcionados para a aquisição de tais títulos – o que garantia um fluxo constante de recursos para a aquisição dos papéis. A criação da ORTN busca “recuperar o prestígio dos títulos da dívida pública para serem utilizados como fonte alternativa de financiamento não-inflacionário dos déficits de caixa da União.” [[5]][6].

Decreto-Lei 2.284, de 10.03.1986 (Plano Cruzado), substituiu as ORTN pelas OTN (Obrigações do Tesouro Nacional), retirando o termo “Reajustáveis” com o fim de impedir a inflação no tempo.

Seguiu-se o Plano Verão, que através da Lei 7.730, de 31.01.1989 extinguiu as OTN e não nomeou seu substituto. Ao contrário de que desejavam as autoridades monetárias, a inflação não foi debelada, acarretando a necessidade de instituir o BTN (Bônus do Tesouro Nacional) através da Medida Provisória 57, de 22.05.1989 (convertida na Lei 7.777, de 19.06.1989), retroagindo-o a fevereiro/89.[7]

Entendeu o STJ que nos casos de resgate a devolução das parcelas de contribuições pessoais deve ser de forma plena e o indexador que melhor resguarda o poder aquisitivo da moeda era o IPC. Entendimento cristalizado no Enunciado normativo número 289.  

Por que a correção monetária dos benefícios deve ser por índices diversos que não os do Estatuto?

Na Lei n.º 6435/77 o legislador cuidou de deixar expresso o reajustamento dos benefícios.
“Art.42 Deverão constar dos regulamentos dos planos de benefícios, das propostas de inscrição e dos certificados dos participantes das entidades fechadas, dispositivos que indiquem:(…)
§ 1o Para efeito de revisão dos valores dos benefícios, deverão as entidades observar as condições que forem estipuladas pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social, baseadas nos índices de variação do valor nominal atualizado das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN).
§ 2o Admitir-se-á cláusula de correção dos benefícios diversa da de ORTN, baseada em variação coletiva de salários, nas condições estabelecidas pelo órgão normativo do Ministério da Previdência e Assistência Social.”

Referida Lei foi editada em 1977 com o fim de regular o sistema previdenciário complementar. Em que pese o artigo 47 preveja o reajuste dos benefícios pela ORT, a norma não acompanhou a dinamicidade da economia brasileira. Que devida à instabilidade econômica presenciou um longo período de alta inflação até meados dos anos 90. Cenário em que o índice de variação do valor nominal da ORTN não comportava mais a indexação da moeda, sendo essa substituída pela OTN e posteriormente pela BTN.

Nesse contexto, observa-se que o legislador previu o índice de reajuste e regulou a forma como as Entidades deveriam aplicá-lo nas parcelas de benefícios. No entanto, o que deve ser levado em conta é que mais do que o indexador, o sentido da norma mira a proteção do poder real do benefício inicial no tempo, mormente por conta da instabilidade econômica do país. Daí que, em havendo desarmonia entre o que a norma visa e o acobertado pelo índice de reajuste utilizado pelas Entidades, deve persistir aquele que resguarda o benefício dos malefícios inflacionários, ainda que não previsto no Estatuto.

Portanto, considerando o fato objetivo do aumento inflacionário decorrente da instabilidade econômica no período em questão (1989 a 1994), as EFPC ao invés de adequar os indexadores previstos no Estatuto àqueles que comportariam a manutenção do benefício real, quais sejam, o IPC do IBGE e o INPC na sua substituição, eis que índices considerados na jurisprudência do STJ como indexadores de correção plena, essas não o fizeram, de modo que os índices aplicados não superaram a inflação.

Com isso, os benefícios sofreram e sofrem a desvalorização da moeda, desvinculando-se do valor real do salário de benefício inicial calculado na data da aposentadoria. Por consequência esses são reduzidos pela perda do valor de compra, já que os participantes não podem comprar o que antes adquiririam. É dizer que, o valor nominal (atual) do benefício não corresponde ao originário valor real que possuía.

O indexador que não supera a inflação encolhe o salário de benefício, ocasionando prejuízos sucessivos à parcela de salários de benefício, eis que no ano subsequente o salário de referência será àquele defasado, perpetuando assim a perda provocada pela inflação.

Isso feito ao longo de vários anos implica em transferência de renda de parte do benefício do participante ao Fundo. Uma vez que as Entidades mantêm os ativos aplicados com rendimentos acima da inflação, mas, no entanto, repassam aos participantes o complemento de benefício defasado (menor). Dessa forma, parcela da renda é progressivamente deixada às Entidades, situação que contribui significativamente para os superávits dos seus Planos de Benefícios, podendo após ser distribuído às Patrocinadoras. Essa situação demonstra claramente o enriquecimento ilícito por parte dessas instituições à custa dos participantes aposentados.

Desse modo, para cessação do desequilíbrio entre o valor atual (nominal) e o valor real aviltado no tempo, necessária a incidência de índice que recomponha o poder aquisitivo do benefício. Daí que, os índices que não superam a inflação utilizados pelas Entidades em seus Estatutos devem ser abolidos, do contrário, o judiciário estará avalizando o enriquecimento ilícito dessas instituições.

De se observar, portanto, que a aplicação da correção monetária por índice que reflita a inflação, independe da cláusula contratual posto que imperativo de equidade; é fazer cumprir o escopo maior previsto na Constituição, na Lei e nos Estatutos: o pagamento de benefício preservando o seu valor real, de sorte que se mantenham as condições efetivas da data inicial da aposentadoria em respeito ao direito adquirido e ato jurídico perfeito.

A inclusão dos expurgos inflacionários, com o afastamento do índice de correção monetária estabelecido no Estatuto, poderia representar uma descapitalização das Entidades e o desequilíbrio no cálculo atuarial?

A correção monetária incorpora o principal, não é um ganho, mas a manutenção do poder real do benefício de modo a preservá-lo dos efeitos da inflação.

O Ilustre Ministro Carlos Ayres Britto num estudo acerca da correção monetária como regime constitucional bem define essa questão, senão vejamos:

 “(…) mas não se julgue a correção monetária uma nova categoria de direito subjetivo, superposta àquele de receber uma prestação obrigacional em dinheiro. O direito mesmo à percepção da originária paga é que só existe em plenitude, se monetariamente corrigido. Logo, a atualização ou correção monetária é um elemento do direito subjetivo à percepção de uma determinada paga integral em dinheiro.

Não há dois direitos, portanto, mas um único direito de receber, corrigidamente, um valor em dinheiro. Pois que, sem a correção, o titular do direito só o recebe mutilada ou parcialmente. Enquanto o sujeito passivo da obrigação, correlatamente, dessa obrigação apenas se desincumbe de modo reduzido.

O que nos leva a pensar que, do ângulo do titular do direito, a correção monetária realiza ou densifica o princípio constitucional da justiça, genericamente proclamado no inciso II do art. 3º do Texto Magno (‘construir um a sociedade livre, justa e solidária”). Do ponto prisma do titular da obrigação, ela é um dos modos de densificação ou realização do princípio constitucional da moralidade, na medida em que evita locupletamento sem causa e à custa de outrem. “[8]

Com relação aos participantes do plano de benefício na modalidade benefício definido, faz-se as seguintes ponderações: entende-se por plano de benefício de caráter previdenciário na modalidade de benefício definido aquele cujos benefícios programados têm seu valor ou nível previamente estabelecidos, sendo o custeio determinado atuarialmente, de forma a assegurar sua concessão e manutenção. Assim, rege o artigo 2º da Resolução n. 16, de novembro de 2005.

Em sua maioria, o Plano de Custeio da Entidades prevê contribuições mensais dos associados, calculadas sobre a remuneração com o fim de constituir a reserva de poupança individual de modo a garantir a concessão e manutenção nos níveis inicialmente contratados.

Na modalidade de benefício definido, a metodologia de cálculo das contribuições e dos benefícios é determinada pelos Regulamentos.

Nesse passo, a correção monetária não é variável condicionante na fórmula de cálculo do benefício, mas fator de correção previsto em lei e imperativo de equidade e de justiça, nos termos da Constituição.

Dada a natureza da modalidade do benefício definido, o participante contribui com parcelas do salário de remuneração, para quando do alcance dos requisitos, perceber o complemento de aposentadoria nos termos em que contratado. Daí a importância da correção monetária, tendo em vista que essa visa a resguardar o direito adquirido do participante de modo que preserva o benefício, eis que mantém o seu valor no tempo.

Se a Entidade deixa de corrigir o benefício por índice que melhor reflete a inflação, ela lesa o participante porquanto fere seu direito adquirido consubstanciado no cálculo da renda mensal inicial, uma vez que a renda mensal atual está menor, se comparada ao valor da renda inicial. 

Assim, de se concluir que a correção monetária deve incidir no benefício através de índice que preserve o seu poder de compra, de modo que se preserve o valor de cálculo inicial, posto que direito adquirido.

Há de se observar que se a correção monetária não é variável atuarial incidente no cálculo da mensalidade de contribuição e não se incorpora no cálculo do complemento de benefício não há que se falar em desequilíbrio atuarial. Ademais, como restou demonstrado o reajuste não é encargo adicional, não é revisão do benefício, mas tão somente mecanismo necessário à preservação do valor do benefício do participante.

Por Joana D’Arc Vieira de Oliveira

Advogada que atua em defesa dos Participantes dos Fundos de Pensão


[1] JURISPRUDÊNCIA. SÚMULA N. 289 – Segunda Seção em 28.04.2004

[2] AgR no AGI N. 493.872-PR (2002.0156224-6) Ministro Humberto Gomes de Barros; POSTALIS – INSTITUTO DE SEGURIDADE SOCIAL DOS CORREIOS.

[3]  AgR no REsp N. 487.824-RJ (2002.0163426-0) Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. CAIXA PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL – PREVI.

[4] Posteriormente, a lei 4728/65 institucionalizou a correção monetária para vários títulos de créditos.

[5] ENDO, Seiti Kaneko. Contribuição ao estudo da correção monetária. São Paulo: EDUSP, 1989, p. 45.

[6]http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9744&revista_caderno=7

[7] http://gilbertomelo.com.br/correcao-monetaria-no-civel/

[8] BRITTO, Carlos Aires. O regime constitucional da Correção Monetária. R. Direito Adm., Rio de Janeiro, 203: 41-58, jan./mar.1996

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